Quem não gosta de um bom épico?
Uma aventura grandiosa em que os heróis combatem os vilões, para devolver a paz e harmonia ao universo? Quem não gosta de ver um herói muito herói a derrotar um vilão muito vilão? É uma maravilha! São as histórias mais fáceis de serem gostadas, especialmente porque os bons ganham sempre e acabam com a miúda mais gira do planeta.
O único probema destas lutas épicas é que a realidade não é nada assim. Não há heróis nem há vilões, ainda para mais tão arrumadinhos e penteadinhos.
Mas nós gostamos tanto dessa ideia que achamos que a vida é assim: as pessoas ou são óptimas ou são terríveis. Ou ele tem razão ou não tem. Ou escolho este lado ou aquele. Vivemos numa dicotomia, em que temos que optar lados, fazer juízos e decretar quem é o herói e quem é o vilão.
Afinal, como é possível aquela pessoa gostar de mim e tratar-me mal? Como é que ele é tão bom e depois faz aquele disparate? E como é que ela é arrogante mas depois é tão querida?
Mas olhar para as coisas de forma binária – preto ou branco – fica muito aquém da riqueza da realidade. Achamos que estamos a fazer algo notável quando julgamos os outros, quando escolhemos lados, quando criticamos outra pessoa, mas no fundo estamos na infantilidade de quem não reconhece a complexidade da realidade. É mais fácil projectar no outro a natureza maliciosa do que aceitar a sua ambivalência.
Há muitas nuances, coisas que não conhecemos e pormenores que ignoramos. A realidade da outra pessoa supera-nos sempre e não podemos ter a arrogância de achar que sabemos toda a verdade sobre as coisas.
Parece absurdo, mas não é: duas realidade aparentemente opostas podem conviver dentro da mesma pessoa. Apenas conciliando o que parecia irreconciliável é que nos aproximamos da verdade das coisas. No fundo… o herói e o vilão são a mesma pessoa!
Para perceber isso, basta trocar o “ou” pelo “e”. Basta juntar em vez de separar:
Ele é maravilhoso e também um cretino. Ela é uma querida e ao mesmo tempo consegue ser arrogante. Ele é um grande trabalhador e também um grande preguiçoso.
A verdade está escondida nos paradoxos.
Contudo, esta capacidade maravilhosa de reconhecer a complexidade não está disponível para todos. Só consegue perceber isto, quem consegue ver que dentro de si tem as duas pessoas: o herói e o vilão. Quem reconhece que dentro de si já convivem realidades aparentemente contraditórias.
Quem for capaz de tolerar essa tensão na sua cabeça e no seu coração, fica mais perto da verdade e fica mais forte. Quem percebe a ambivalência da sua vida, como consegue ser grandiosa e miserável no correr do mesmo dia, está pronto para aceitar o mesmo nos outros. Se sou generoso e egoísta, se sou bom e faço disparates, se gosto daquela pessoa e a trato mal… porque é que os outros não serão também assim?
Temos que lutar pela integração. Integração das forças contraditórias em nós e integração dos outros. Temos que excluir a exclusão.
Temos que ter uma permanente consciência das forças dentro de nós e uma profunda gratidão pelas coisas boas. O caminho passa por aprender a viver entusiasmados com a ambiguidade da vida, das situações e das pessoas.
E apenas aceitando esta ambivalência é que podemos começar o combate épico da nossa vida: O combate em que o nosso herói luta com o nosso vilão.
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