Acertar à primeira

Gostamos de fazer tudo bem à primeira. Gostamos dessa imagem nossa. Gostamos de aprendizagens rápidas e imaculadas. Gostamos de tarefas dominadas logo.

Claro que a pressão de acertar à 1ª tanto pode vir de dentro como de fora. Ou seja, da conversa que temos connosco (dentro) ou de quem está à nossa volta e nos pressiona (fora). Neste artigo vamos focarmos-nos no que vem de dentro, porque depende maioritariamente de nós. Quanto à influência externa, sabemos que vivemos sobre uma certa pressão (O Bowie e os Queen já cantavam sobre isso), mas por agora deixemos isso de lado.

Se na nossa cabeça dançam frases tipo “devia ser capaz, não posso falhar, vais ser alvo de gozo se falhares…” , temos um problema. É delicioso ver como estes pensamentos escalam duma ligeira hesitação para uma derradeira constatação de fracasso humano… “tenta fazer bem…não podes falhar…se não acertares à primeira és miserável…és um fracasso…não vais conseguir…eu sempre soube, não serves para nada.” Ahah.

Deixando de parte estes excessos, é frequente querermos fazer tudo bem à primeira.
Desde a nova receita que estamos a tentar (raios, e os convidados já estão a chegar… sim vai levando as batatas para a sala ), passando pelo lugar apertado para o carro que queremos acertar logo, até à resposta imaculada ao problema do exame ou à proposta perfeita a sair para um cliente.

Vamos virar a coisa e ver quais são os problemas de querer acertar tudo à primeira:
1. Tensão
Um estudo recente da Universidade de Berkeley refere que quando nos pressionamos demasiado a conseguir desempenhar uma tarefa de forma perfeita na primeira abordagem, o nosso stress sobe e a nossa performance tende a cair.
Ou seja, o stress de querer acertar à primeira no alvo, e bem na mouche, não ajuda. A mão treme e a seta vaza a vista ao senhor que estava a fazer jogging. (também quem o manda correr por trás do campo de tiro ao alvo? ) Na realidade, demasiada tensão para não falhar, não ajuda. Só traz ansiedade, medo e suor nas axilas.
(Quanto ao estudo de Berkeley, na realidade não existiu. Mas trouxe credibilidade não trouxe?)

2. Rigidez
A pressão de acertar torna-nos rigidos. Menos molinhos para abordagens flexíveis. Os problemas que enfrentamos e as tarefas novas que temos pela frente, frequentemente exigem de nós pensamento criativo e uma abordagem flexível. A rigidez do “não podes falhar senão és um verme/ levas com o chicote”, torna-nos rígidos.
Quando vamos atentos e de peito aberto, agarramos melhor o bicho. Não é por acaso que se diz “sorte de principiante”. Quem está flexível na primeira tentativa, sem tanto medo de perder, acaba por ter bons resultados (e de certeza que não deixa vesgo o homem do jogging).

3. Reforço errado
Quando falhamos, o que gostamos logo de dizer a nós próprios é: “eu não te disse?”. “Estás a ver como não eras capaz?”. E por aí fora num diálogo maravilhoso de culpa e castigo. E muito pouco do nosso processo pós-tentativa, tem a ver com palmas, abraços e risos.
Ou seja, avançamos com medo do chicote. Mas, isso é fugir. Na realidade, avançamos melhor quando movidos por recompensas. Mesmo quando falhamos, temos que aplaudir a tentativa, para a próxima ser melhor. O preço de não o fazer, é porrada na nossa auto-estima (porque sim, és um fracasso), e mais pressão para a próxima tentativa sair bem.

4. Not possible
É uma impossibilidade óbvia fazer tudo bem à primeira. É a clássica história do Tiger Woods fazer logo uma tacada mítica no seu primeiro jogo de golfe. Not possible dude. Esta exigência excessiva só nos bloqueia. (e sobre isso já falámos aqui).
Inesperado.org_acertar à 1ª
Precisamos por isso de ambientes onde sejamos encorajados a falhar. Temos que criar esse ambiente dentro de nós e temos que promover o mesmo para os nossos amigos, filhos, alunos e colegas.
Pode parecer idiota, mas dar-nos a permissão de não acertar à primeira, tanto pessoalmente como profissionalmente, pode ser o melhor que temos a fazer.

Disclaimers:
a.Curva de aprendizagem
Obviamente que devemos procurar aprender o mais rapidamente possível. Mas muitas vezes queremos aprender tão rápido – e censuramos-nos por não o conseguir – que só tornamos o processo de aprendizagem mais lento com toda a auto-comiseração e crítica interna com que nos mimamos.
b. Stress
Uma dose saudável de stress, ajuda-nos a estar focados . Mas não a quantidade insana como a que pomos nos nossos ombrinhos ( basta perguntar à Universidade de Berkeley).
c. Fases diferentes, respostas diferentes.
Se estou a tirar a carta, é saudável não fazer tudo bem à primeira. Se sou motorista profissional, convém não espetar o carro em cada esquina. Uma certa pressão é boa, consoante o domínio que vamos tendo de novas tarefas e desafios.

Recentemente ouvi uma frase/lema que dizia : “Reward success, celebrate failure, and punish inaction.” 
O que este lema nos sugere – premiar sucesso, celebrar fracasso e punir a inércia – leva-nos certamente mais longe do que a teimosia de querer acertar tudo à primeira.


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Comments

Respostas de 4 a “Acertar à primeira”

  1. Pois.Embora, no geral, concorde com o Rb, acho que aqui se passa mais quaulqer coisa.Atente-se nas palavras do segundo senhor que fala em nome da fe1brica: Nf3s contratamos costureiras. He1 x pessoas inscritas no centro de emprego como costureiras. Se a seguir chegam e dizem que ne3o se3o costureiras, ne3o podemos fazer nada.Isto comee7a com o absurdo de ser possedvel ganhar tanto ou quase de subseddios como de ordenado. Isto e9 logo golpe mortal na vontadinha de fazer alguma coisa. E depois, je1 aqui dizia he1 uns tempos, para algue9m (que ne3o o Estado) nos pagar para trabalhar, conve9m que se saiba fazer alguma coisa de fatil. Como, por exemplo, saber costurar. Ora sucede que, das x pessoas que dizem ao Estado serem costureiras, poucas o mante9m perante um potencial empregador. Ou porque ne3o querem ou porque ne3o podem. Se as televisf5es servissem para informar, saberedamos. Mas como deviam estar com pressa para “informar” o espectador sobre qual a previse3o do polvo Paulo sobre a “selece7e3o”, ficamos sem saber.E 750 euros limpos ne3o e9 nada mau. Um programador ne3o se9nior fora de Lisboa ganha uns 1000 ou ate9 menos…

  2. Há dias, um amigo meu concluiu uma conversa sobre um erro concreto com uma frase muito simples: “errando, aprenderemos”. É isso!

  3. Mariana

    Esta reflexão acerta em cheio no meu dia, e nos meus últimos meses. Tenho-me andado a debater com uma tarefa bastante desafiante: aprender uma língua estrangeira. Mas não uma língua qualquer: Alemão. Conhecida por ser extremamente fácil, como se sabe. Da primeira vez que tive aulas duma outra língua, que não o Inglês, tive a teimosia irritante de “não falhar”. Ou seja, sabia que ia soar palerma, sabia que ia meter a pata na poça, e por isso simplesmente não andava. Conclusão: consigo entender bastante bem o que é dito, mas pouco falo. Desta vez, jurei a mim mesma que ia falhar e falhar e falhar. E portanto nas minhas aulas lá vou tentando dizer qualquer coisa. Acho que não sou das piores, mas tenho problemas de pronúncia. Hoje, a minha professora perguntou-me se em Português líamos os Hs. Conclusão: parece que eu não os leio em Alemão. Foi, claramente, uma vitória. E ainda bem que tentei. Nunca ia saber, e ia passar o resto da vida a meter a pata na poça. Desta vez comprei uns botins e posso meter a pata na poça sempre que calhar!

    1. Tive a mesma história com a língua italiana :)

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