Ele estava na festa com um copo de sangria na mão. Ria-se, a música jazz ao fundo estava a saber bem, e as pessoas tinham uma luz quente na cara. Conversas de raspão: “Estás boa Maria?” ; “Já disse ao Pedro para te ligar, não está esquecido…” ; “Sim, o ano foi óptimo, agora é aguentar…”
Mas entre as conversas e as idas do copo frio da sangria à boca, só um pensamento na cabeça dele: “Posso estar a perder alguma coisa.”
E era uma ideia que o perseguia. Sempre. Onde quer que estivesse, com quem estivesse, a sensação de urgência interior era imparável “podes estar a perder alguma coisa melhor noutro lado”.
Daí, saltava conversas (sempre com muito charme), mudava de programas ( 3 e 4 na mesma noite), e lançava novos projectos (7 em cada ano). Estava com tanta gente. Algumas das quais nem conhecia (nem queria conhecer). Mas isso não interessa. O que interessa é aproveitar ao máximo. Viver ao máximo. Não deixar nada de fora.
Tinha dúvidas sinceras que esta urgência alguma vez abrandasse. Eram raros os momentos em que desligava. Raros os momentos em que parava. Chegar a casa sem nada para fazer? Ui, vamos já para o cinema, jantar, chamar a Maria, o João, o Miguel, alguém! Vou correr, vou dançar, vamos às tascas, vamos aos vinhos, e vamos cantar. Oh sim, vamos cantar.
Parar em casa?! Não fazer nada?! A vida é para viver. Aproveitar ao máximo. É para cima, é festa, é experiência, são coisas novas. Carpe Diem e o resto. Não me mandem abaixo!
Mas a verdade é que já estava a acusar o toque. Não o do vinho da tasca. Esse aprendeu a aguentar. Mas do ímpeto de não parar. Nenhuma experiência, por mais intensa ou forte que fosse conseguia parar essa velocidade. Uma sede que não pára. E por muito que bebesse, essa sede não o largava.
Para ajudar à festa, sentia os amigos a desaparecerem. E os amores também. Claro que conseguia arranjar umas relações que entretiam a solidão. Mas não, naqueles minutos azuis antes de fechar os olhos na cama não tinha dúvidas: sentia-se a ficar sozinho.
Raça de coisa, apesar de tantas experiências, de viver on the go, de ser dos mais giros, dos mais divertidos, com mais histórias, sentia-se incompleto. Sim, dentro dele era o Carpe Diem e o raio que o parta. O Jorge Palma na cabeça: dou-me com toda a gente, não me dou a ninguém…
Que se lixe. Anos seguidos com o pensamento “Não percas nada”. Encheu-se de experiências, de pessoas, de sentimentos. Mas não estava a dar. Passou na rua, ( a correr) e parecia-lhe tudo cinzento. Sim, as pessoas, as ruas, tudo lhe parecia cinzento.
De repente, apareceu-lhe uma frase na cabeça. Em letras grandes e rosa dizia: “Try something new”. Estacou.
A cabeça rodou e o coração rodou. Passou os últimos anos sempre a fazer sempre coisas diferentes. Ele era a festa, o riso dos amigos, a novidade. Teve experiências diferentes, e viveu muito. Mas naquele momento aquelas letras rosas invadiram-no e obrigaram-no a uma resposta. Não se tratava de fazer mais uma viagem, ou mais um programa ou de mais uma amizade. Agora era para alguma coisa radicalmente diferente. Ele que fazia tudo o que era diferente, decidiu fazer o que era verdadeiramente diferente para ele.
Riu-se e parou. Parou como não parava há anos.
E aí, a sua vida começou a mudar.
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