Sábado à noite:
– Podes-me emprestar dinheiro para o jantar? Eh pá não trouxe. Desculpa, depois transfiro-te, ok?
– Ok, sem problema, depois envio-te o NIB
Passados 3 dias e enviado o NIB:
Nada feito.
Passadas 2 semanas e já feito o reminder:
” Que lata.Este gajo é sempre a mesma coisa.”
Passado um mês:
“Sempre disse que não se pode confiar nele.”
Passados 2 meses:
“Se o vir nem lhe falo.”
Ora bem, acontece que o dinheiro pode alterar a relação entre as pessoas. Nesta história, o desgraçado do amigo pode apenas ter-se esquecido de devolver o dinheiro, ou nunca ir ao email. Nada por mal, mas a fúria acumulou do outro lado.
Ou mesmo que tenha sido propositado o não pagar – porque andava apertado de dinheiro e queria ver se passava em branco – o mais interessante é ver como isso alterou a relação entre os 2.
O dinheiro tem essa capacidade de distorcer a relação entre as pessoas.
Não é por acaso que tantos irmãos e famílias se chateiam quando chega a hora das partilhas. Estava tudo ok, entra dinheiro na fotografia e começam as discussões.
Por vezes nem é preciso muito dinheiro. Bastam aqueles 3 euros para imperiais que disseste que pagavas.
Imagino que o dinheiro mexe tanto com a relação entre as pessoas por várias razões:
1. Conceito de justiça: se eu te emprestei, é justo que me devolvas. Mesmo sendo pouco dinheiro. Havendo pessoas muito sensíveis a questões de justiça, pode-se tocar aqui numa corda que as faz trepar paredes.
2. Sobrevivência: há pessoas que andam mesmo aflitas. Sem o conforto financeiro que precisam para sentirem que têm controlo das suas vidas e escolhas. Se entra aqui uma herança dividida, a coisa pode aquecer. Mesmo que sejas meu irmão.
3. Gula: já estou bem mas ainda insatisfeito. Quero mais dinheirinho, ele nunca me basta. Já estou cheio mas ainda vai mais uma perninha de frango. Se tenho um apartamento posso sempre ter mais um. E um carro a acompanhar não vai mal. A fome pode ser insaciável porque estamos a procurar no sítio que não a satisfaz.
4. Confiança: tenho que saber que gostas mais de mim do que do dinheiro. Tenho que poder confiar em ti. E se gostas mais do dinheiro que de mim, não sei se posso.
E não é o dinheiro em si que gera estas situações. É a reacção que ele causa em nós. O dinheiro em si não é bom nem é mau, pode ser utilizado de diferentes formas. Não é ele que nos afasta. Somos nós que não sabemos lidar com ele de forma fixe.
(Cena do filme Wall Street, do qual já falámos aqui, em que o que afastou este casal foi a falta de confiança entre eles, por causa do dinheiro)
Mas vamos focar-nos agora no que podemos fazer para o que o dinheiro não destrua relações que temos:
PRIORIDADES
É mais importante herdar mais uma cómoda ou chatear-me com a minha irmã? Sem rodeios, é bom que esta pergunta tenha uma resposta à altura. Mesmo que não seja uma cómoda.
HONESTIDADE
Se me emprestaram dinheiro, devo devolvê-lo. Mesmo que eu seja um relaxado com as questões do dinheiro o outro pode não ser e levar isso muito a peito. Mesmo que eu pague sempre jantares aos meus amigos, quem me pagou este – porque eu cravei – pode não achar graça nenhuma.
TRANSPARÊNCIA
“Desculpa lá falar-te disto Pedro, mas está-me a fazer falta aquele dinheiro que te emprestei, podes-me transferir? Não quero que isso seja uma questão na nossa amizade.”
“Meus queridos primos, estamos aqui para falar da divisão da herança. Quero que saibam que sou muito sensível a estas questões do dinheiro porque andamos aflitos cá em casa. Quero por isso que as coisas se resolvam da forma mais transparente possível, e não quero que ninguém se chateie com ninguém.”
E como estas haverá tantas outras ideias que nos inspiram a cuidar das nossas relações. Sobretudo gosto da ideia de deixar as regras do jogo muito claras à partida, para todos sabermos com o que contamos. Devemos ser prudentes quando estamos a falar das verdinhas, e perceber que elas mexem com muitas sensibilidades diferentes.
Mas se o dinheiro é capaz de afastar as pessoas, também não será capaz de as aproximar?
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