Fala-se muito de tecnologia.
De super computadores, de internet ultra rápida, de inteligência artificial.
E fala-se muito do futuro.
Dos humanos estarem ligados a máquinas. De precisarem delas para trabalhar, estudar ou divertirem-se. Máquinas que sabem quem somos e o que gostamos de fazer.
Que estranho é imaginar um futuro em que estamos dependentes das máquinas para viver as nossas vidas. Como permitiremos que alguém faça estas máquinas, e como permitiremos que estejam sempre ligadas a nós?
É curioso, mas já permitimos. E foi de livre vontade.
Todos temos um smartphone e essa máquina está sempre ligada a nós. É um supercomputador com GPS, camera, microfone e ligação à internet, que sabe onde estamos, o que ouvimos, vemos e o que queremos comprar. Como deixámos que isto acontecesse?
Na realidade é bastante simples: esta tecnologia é encantadora. Tem funcionalidades fantásticas que tornam a vida muito mais fácil. Permite-nos trabalhar, falar e ver quem gostamos, encontrar o que precisamos e manter-nos divertidos… Como dizer que não?

Escolhemos ter a tecnologia nos nossos bolsos porque responde a necessidades humanas intemporais: de sermos valorizados (vejamos os nossos perfis nas redes sociais), de sermos úteis (vejamos quanto se pode fazer) e de sentirmos controlo da nossa vida (vejamos como é fácil ligar e desligar).
Esta omnipresença resulta não de uma corporação obscura que nos quer oprimir, mas de milhares de empresas que foram desenvolvendo e vendendo produtos e serviços que precisamos e valorizamos. Como em tudo, existem também inegáveis excessos e práticas pouco transparentes que abusam da ingenuidade dos seus utilizadores.
Mas esse não é o nosso problema. Não é o que “eles” fazem, decidem e lhes interessa. O tema central é o que nós fazemos, decidimos e nos interessa. Não é o que depende dos outros, é o que depende de nós.
Quanto maior é a liberdade extrínseca que temos, mais precisamos de liberdade intrínseca.
Isto é, temos cada vez mais liberdade exterior: podemos ver, fazer e comprar cada vez mais coisas e cada vez com mais facilidade, mas quanta liberdade interior temos para usufruir de tanta escolha?
Pensemos na dependência que temos dos nossos smartphones:
Não é habitual de manhã irmos rapidamente ao telefone ver o que “se passou”?
Quantas vezes não sentimos aquela urgência de ver se há alguma mensagem nova?
Quando estamos com um amigo e ele se ausenta, o que fazemos?
Quantas vezes preferimos filmar ou fotografar um momento em vez de o gozar?
Pensemos na compulsão com que repetimos os mesmos gestos e com que entramos nas apps, eternamente à procura do próximo mimo ou diversão.
Não será muito produtivo tentar uma vida sem tecnologia porque ela traz muitos benefícios, mas temos que estar conscientes dos seus custos e problemas. Reparemos apenas em 4 “Ds”:
- A Dificuldade em estarmos sozinhos
- O Desperdício de tempo
- A Distração permanente
- A Desconexão do que nos rodeia
Devemos servir-nos da tecnologia, e não a tecnologia servir-se de nós. Como podemos então usar a tecnologia em nosso proveito e recuperar a nossa liberdade interior?
Seria uma ingenuidade achar que temos sempre a força de vontade para decidir o que é melhor. As aplicações e sobretudo as redes sociais estão cuidadosamente desenhadas para serem viciantes e passarmos lá muito tempo. A nossa força de vontade não basta para combater o seu charme.
É como se estivéssemos numa festa e depois de beber 6 cervejas, admirarmo-nos de não conseguirmos resistir a uma 7ª cerveja! Nessa altura, já pouca liberdade interior nos resta! É muito mais fácil nem aparecer nessa festa do que estar totalmente envolvido num ambiente em que dificilmente conseguimos resistir…
Em tudo o que fazemos compulsivamente é útil criarmos obstáculos para dificultar aquilo que nos distrai. Algumas alternativas passam por:
- Desligar as notificações das redes sociais (ou para os destemidos, desinstalar as apps);
- Deixar na entrada de casa o telefone (quem precisa de nós pode sempre utilizar uma prática bizarra: telefonar);
- Guardar as apps que mais nos distraem em pastas escondidas e “longe” dos nossos dedos zombies;
- Evitar o scroll infinito das redes sociais, atirando o telefone pela janela e correndo na direção oposta.
Devemos sempre tomar decisões conscientes do que queremos fazer com a nossa limitada atenção e tempo. Pelo contrário, se tenho sempre o telefone na mão, não é de espantar que vá lá espreitar centenas de vezes por dia, sobretudo se relembrado com permanentes e sedutoras notificações…
Mas não nos enganemos: não temos que estar permanentemente disponíveis para todas as solicitações, temos sim que usar o nosso escasso tempo da melhor forma possível: não em função do que são as prioridades de outras pessoas, mas em função do que realmente queremos fazer.
É curioso usarmos a expressão “Navegar na internet”, porque de facto andamos num mar enorme, muitas vezes ao sabor do vento e procurando uma qualquer ilha paradisíaca.
Mas como é sabido, um barco sem rumo não tem ventos favoráveis. Por isso, se é para navegar, que seja passando de náufragos em deriva para comandantes convictos do nosso barco.

Pensemos então pela positiva.
Se eu passar menos tempo “ligado às máquinas”, o que posso fazer com o tempo que me sobra?
Basta pouparmos 30 minutos por dia de tecnologia para termos ao final de um ano quase 5 semanas de trabalho só para nós! Pensemos o que faríamos com 5 semanas só a fazer o que queremos (Falámos disso e do poder dos hábitos aqui).
Que coisas me entusiasmam e me trazem tranquilidade?
Um passeio num jardim? Uma conversa com amigos? Um jantar preparado com carinho? Uma leitura tranquila de um livro?
Se para as coisas que nos distraem é bom arranjar obstáculos que tornem difícil fazê-las, é igualmente útil para as coisas que são importantes removermos os obstáculos para ser mais fácil fazê-las. Como posso tornar mais fácil fazer essas coisas?
Posso marcar na agenda tempo para estes programas, posso pedir a um amigo que me leve a dar uma volta, posso tirar um livro da estante e começar a ler…
Como é bom trocar a superficialidade da minha distração pela profundidade do encontro com um amigo, da alegria de um abraço, do gozo de uma conversa.
Navegar ao impulso das marés digitais é tentador, mas raramente nos leva onde queremos. Como é libertador reclamar o lugar do comandante e levar este barco da tecnologia para onde realmente queremos!
Partilhem e comentem com o que vos entusiasma na tecnologia e o que vos tira a liberdade? Que formas vos têm ajudado a navegar este mar e o que gostavam de experimentar?
A tecnologia promete dar-nos cada vez mais escolhas e possibilidades, muitas delas para aumentar a nossa liberdade exterior.
Mas fica a pergunta: E nós, o que faremos da nossa liberdade interior?
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