As urgências

As piores urgências não são as dos hospitais.

E claro que sabemos que as urgências dos hospitais não são sítios agradáveis. Quando queremos dar uma volta ou jantar num sítio inspirador, não fazemos a lancheira e abalamos para lá.

As urgências dos hospitais geralmente são cenários desanimadores. Há doentes ali. E malta muito aflita. Vêem-se olhares assustados, tristeza e expectativa. Sentem-se os limites das pessoas. Os corpos procuram consolação. As famílias e amigos tentam ajudar.

Mas apesar de tudo, nas urgências dos hospitais esperamos  e depois vem quem nos ajuda. Chama-se médico e usa aquela bata branca. Como nos filmes sim. E depois fazem perguntas, muitas ou poucas, olham para nós com um ar que quer olhar para dentro, põe-nos uma coisa fria nas costas e dizem para respirar fundo. Caraças, vim cá para respirar fundo? Isso posso fazer em casa. Mas não podes não, porque depois vêm exames, diagnósticos e remédios. E tudo faz parte. Tudo para ficarmos melhores.

Mas estávamos a dizer: as piores urgências não são as dos hospitais.

Isto porque há umas piores. Aquelas que nos correm dentro do corpo. As que dizem frases assim:”tenho que ter isto agora”, “alguma coisa está mal, preciso mesmo daquilo para ser feliz, e preciso agora. Agora mesmo.” , “Não posso esperar,  quero tudo e quero já.”

Isto acontece quando queremos já já um Magnum branco, uns sapatos, conhecer novos amigos, ter novas experiências, ou até perceber o sentido das coisas que nos acontecem, perceber toda a nossa vida. São tudo urgências. E usam sempre estas palavras cá dentro: ” eu quero… já.”

No fundo no fundo somos uma criança gulosa que vê uma comida óptima e se serve demasiado, não vá perder a oportunidade de repetir. Depois , apesar de estar bestial, não consegue comer tudo. Deixou a sua urgência de ter tudo mandar. E a comida boa estraga-se.

Mas na realidade não precisamos nada de ter isto agora mesmo. Achamos que sim, que vamos ficar mais felizes, mas não vamos. Já reparaste que o que levou tempo, o que construíste na espera e na paciência é que dura? Isso é que é mesmo bom. E que vale mesmo a pena.

Tal como no hospital, os nossos corpos procuram consolação. Sentimos alguma tristeza e expectativa. Queremos sentir-nos melhor. Mas ao contrário das urgências dos hospitais, aqui não há ninguém de bata branca para nos fazer perguntas. Nem olhares atentos, nem respiração profunda. Nem exames, nem diagnósticos nem remédios. A não ser que…

Nós vestíssemos a bata branca. E olhássemos atentamente para nós. E com calma, escolhêssemos o que devemos fazer. Tudo isto claro, para ficarmos melhor. Muito melhor.

Comments

Respostas de 4 a “As urgências”
  1. excelente joão, obrigado.

    estou nesse processo de equilibrar necessidade com desejo, porém esse processo é um desejo-necessidade e causa mta confusão na minha mente hahah

  2. Gostei muito João, post profundo e que toca algumas características que são mesmo “quite human”

  3. Vera Ferreira

    Que delicia :) Bom estares de volta :)

  4. Jomas

    Welcome back!

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