A intenção não chega II

Hoje em dia, precisamos muito de almofadas. Mas daquelas almofadas fofas. As que nos aquecem e que nos dão um enorme conforto ao encostar a cabeça. Os mais perspicazes já estão a ver para onde isto vai. Os outros, acham que a qualquer momento começarão a aperecer pop ups intrusivos a recomendar colchões picolin e almofadas moles.

Enquanto ainda não rebenta publicidade neste jardim da blogosfera, vamos falar disso mesmo. Vamos falar de como todos os jardins da nossa vida rapidamente são invadidos, algo indelicadamente, por novas mensagens, chamadas de atenção e solicitações. Referimo-nos portanto ao mar de coisas barulhentas e indiscretas que povoam a nossa vida: sms, mupis, notificações, emails, anúncios, flyers, imagens, vídeos….

É frequente estarmos numa reunião de trabalho e o tlm tocar – mesmo silenciosamente – com uma nova mensagem, ou um email que chegou. E logo dispara o pensamento: “O que será? Será que é importante? Será que é aquele assunto que não posso adiar?”.

E entretanto acabamos mesmo por adiar a reunião que estava a acontecer. Não literalmente, mas no sentido em que se tornou secundária, porque algo nos roubou a concentração e presença.
O mesmo se passa num trabalho de grupo na faculdade, a conversar com um amigo, a ver um filme no cinema, ou simplesmente a passear na rua. Ao responder ao que apareceu, ficamos divididos. Em 2 sitios ao mesmo tempo. E não inteiros num só.

É que estamos sistematicamente a ser tocados por 100 pedidos. E toca a nós, escolher a qual vamos responder.
Não interessa tanto discutir como chegámos a isto, mas o que fazer com isto. Hoje em dia, temos 100 canais de comunicação abertos. Full time and low cost. Há sem dúvida um lado muito positivo: se temos algo a dizer rapidamente podemos saltar para o mundo, através do mail, facebook, sms, blogues, vídeos…
Mas este excesso de possibilidades pode privar-nos também de liberdade.
Por isso mesmo temos que ser absolutamente intencionais na forma como gerimos o nosso tempo. Não o fazer significa ser mil vezes interrompido por sms , perguntas, emails e notificações. Não basta dizer : “ah, gostava de não ter 1000 coisas para tratar, e de não me distrairem”. Não ser intencional neste esforço significa perder a liberdade.
A intenção não basta. E porque não basta, – e agora sim chegamos ao ponto – precisamos de almofadas.
Almofadas fofas que absorvam as distracções que nos tiram do que devemos fazer. Que nos protejam das distracções sistemáticas. Uma almofada é um aviso na porta do quarto a dizer: “não interromper”. Ou tirar as notificações do Facebook. Ou desligar o tlm em certos momentos. Ou pedir no escritório que na próxima meia hora não interrompam. Ou por phones para não nos distrairmos com as conversas do lado.Temos que nos saber proteger de todas estas distracções, porque senão fica por viver a única coisa que nos era dada: o presente.
O que será feito de nós se vivermos apenas em constante reacção aos mil pedidos que nos chegam?

Com certeza, que é bom termos canais de acesso a nós disponiveis. Há urgências, e assuntos que têm que ser tratados na hora. Por exemplo, ao receber este SMS: “Ah preciso da tua ajuda agora, um carro passou-me por cima”, convém ser rápido. Contudo, falhamos muito mais por dispersão. E aí a intenção não basta, e as almofadas ajudam mesmo.

Se tenho que preparar a reunião, então é isso que vou fazer. Não vai ser responder a este sms, ou ao tlm que está a tocar. Estou a conversar com um amigo, então não vou estar a mandar sms ao mesmo tempo. Estou a estudar para um exame, então não vou ver as mensagens do Facebook. Se estou a escrever um email, não vou ver os 20 que ainda me faltam ler.

Chega de trabalhos adiados, conversas interrompidas, reuniões dispersas, respostas à toa, e aquela urgência dividida. Que venham as almofadas. E que venha cada momento, inteiro e redondo, porque às fatias não presta. Não vamos adiar esta vida em distracções. E não nos vamos ficar pelas intenções. Porque elas não bastam.

Comments

Respostas de 10 a “A intenção não chega II”
  1. Uma proposta corajosa e, claro, o mundo da publicidade sempre à nossa frente!

      1. A lot of the things you claim haenpps to be supprisingly appropriate and it makes me wonder why I had not looked at this with this light previously. Your piece truly did turn the light on for me personally as far as this specific subject goes. But there is actually one particular position I am not really too comfy with so whilst I try to reconcile that with the actual core idea of the point, permit me see what the rest of the visitors have to say.Nicely done.

  2. Anónimo

    Caro amigo,

    Mais uma tirada brilhante, parabéns! Não me canso de ler estes artigos.

    Grande abraço

    1. Obrigado Anónimo. Também não me canso de comentários tão carinhosos para a minha auto-estima :)

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  3. Mariana

    Guilty. Cometi uma dessas falhas ao vir aqui. “ah o trabalho de Conflits pode esperar um bocadinho, que hoje é terça-feira” :)
    É cada vez mais um problema meu mas acho que não só. Basta estar numa biblioteca e olhar em volta. Reparar em quantas pessoas têm o computador em frente. E contar o número de vezes que essas pessoas abrem o Facebook, e com que intervalo. (um dia faço essa experiência…). Ou basta abrir o próprio Facebook, e perceber quantos amigos temos – que já trabalhem- que estejam on-line.
    De facto o mundo está mais fragmentado, e, com ele, nós também. Estamos menos inteiros, somos menos presentes. Em tudo, até na forma como falamos- cara-a-cara- com as pessoas. Temos muitos problemas em ouvir! E as pessoas gostam mesmo de ser ouvidas; ou melhor, escutadas. Há poucas coisas que possamos fazer por alguém mais importante do que simplesmente ouvir e dar atenção.

    Mas o problema começa onde? Em nós, ou fora de nós? Eu acho que isso é que é importante perceber para dar a volta, e sair do campo das intenções puras.

    1. Ahah. Mas também é bom uma pessoa ter consciência do “guilty”,porque sabe que podia estar a fazer diferente:) mais preocupante é a malta que acha mesmo que não tem escolha nas solicitações que lhe chegam!
      Eu acho que isto é um boomerang. Talvez tenha começado por nós, depois fugiu-nos ao controlo, mas voltou para nos acertar em cheio na tola. I.e, a tecnologia foi lançada por nós, e o bebé querido transformou-se num gigante caprichoso e sedento de atenção. Mas no centro centro acho que está sempre a nossa capacidade de decidir. O que queremos fazer. Já não é mau estar na biblioteca. Mas um almofadão era alguém bloquear o acesso ao Face :)

      1. Respondendo à pergunta da Mariana, também concordo com o que dizes João, sobre sermos nós que estamos no centro desta questão. Na minha opinião, a força de vontade joga aqui um papel bastante importante, e há pessoas que se esquecem que esta força não é algo que se tenha simplesmente, mas sim que se treine. Força de vontade é, perante a decisão de nos concentrarmos em alguma coisa, sermos nós a forrar o computador, a televisão e o telemóvel com as almofadas de que falas, de forma a que não seja a tecnologia a controlar aquilo que fazemos, mas sim nós próprios :)

        PS- é curioso como o problema do “o facebook não me deixa concentrar” parece afectar imensa gente, ainda que a uns mais do que a outros.

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