Já sabias isto?

E quando alguém diz todo contente: “Eu fui o primeiro a saber que eles não estavam bem”. Ou “Eu soube logo por ele o que se tinha passado.”. Tudo isto é informação. E há uma espécie de vanglória por saber antes dos outros alguma coisa. Informação será poder?

Em relação a este assunto algumas considerações:
1. Quanto mais secreta a informação, melhor.
Adoro ver o orgulho das pessoas a contar histórias de informação que é suposto saber. Assim um ar prentensamente solto, mas gabarola mal disfarçado. O que se passou naquela empresa…O que eles privaram… O que não saiu cá para fora…o que não é suposto saber mas eu sei…

2. Quanto antes se souber, melhor.
Imaginemos que uns amigos começaram a namorar numa terça feira. Saber disso no dia, aumenta a nossa cotação no grupo. No próximo jantar com todos pode-se logo contar de forma descontraida: “Só soubeste na 6ª feira? Pois, eu soube logo no dia…”

3. Quanto mais importantes forem as pessoas envolvidas, melhor.
Saber o que os poderosos e importantes contam. Os pormenores, os segredos que ninguém sabe, mas cá está, eu sei. Há um entusiasmo partilhado, uma consciência que estamos ali na zona da fronteira, do secretismo: “E depois o ministro disse…”

Há pessoas que se alimentam desta informação.
E não estamos a falar de jornalistas. Estamos a falar daquelas pessoas mestres em informação rápida. Os campeões do saber antes de todos o que se passou ou aconteceu.

E porque raio é assim?
Parece-me porque a malta sente-se importante ao saber o que mais ninguém sabe. Torno-me especial ao saber esta informação que os outros não sabem, e ao sabê-lo antes dos outros.
Mas informação não é poder. Nem altera o meu valor. Só porque sei mais coisas, não sou mais especial, sei apenas mais coisas. A sério, daqui a um ano, interessa alguma coisa saber esta informação ? Que diferença faz realmente na vida das pessoas saber estas coisas?
Das duas uma: ou estou a acrescentar valor real à vida das pessoas ou então estou mais no gossip.

E agora, num volte face surpreendente: É bom estar informado.
Mas com uma lógica diferente. Ter um radar grande. Ler os jornais, saber, debater, participar. Precisamos de saber quantos desempregados há, se há crianças a morrer à fome, o que melhor se faz no mundo, o que o nosso governo diz, e quem ganhou a champions (Foi o Chelsea). É bom e importante estar em cima da onda. Porque faz parte da nossa participação civica, da nossa responsabilidade no mundo. De estarmos envolvidos na realidade onde estamos.

Apesar de parecer contraditório o que apresentei, não é.(Fica para cada um perceber a diferença )

Nota final sobre como deixar uma pessoa louca:
Fazer uma afirmação do género (com os olhos a brilhar): “Já soubeste do João?”. Resposta:”o quê o quê?”. “Ah, não interessa, não posso contar.” E é neste momento que a outra pessoa começa a espumar de raiva e curiosidade. E que pega numa marreta e começa a fazer ameaças. E é nessa altura que se utiliza um sorriso brando e complacente e se diz: “Não interessa…”. O outro responde: “CONTAAA”. E responde-se “Ele pediu-me para não contar.Não posso.”. E depois sai-se de cena a correr para não levar com a marreta, porque aleija.
É engraçado ver como quem faz isto é maroto. Não o da marreta, o outro. Porque usa o anzol da pergunta inocente – como se não fosse importante – mas espicaçando loucamente a curiosidade da vitima. A maioria das pessoas ficam absolutamente loucas quando abrimos a porta da curiosidade. Não conheço ninguém que fique indiferente a afirmações do tipo: “Ouviste falar da festa da Maria no sábado e do que se passou…”; “Já soubeste do Diogo…”. E para surtir o efeito letal tem que se dizer quando nos perguntam por mais: “ah, não interessa”. E tenta-se mudar de assunto. O que só exponencia o efeito, levando a outra pessoa a ficar louca pelo fruto proibido, a informação preciosa que desconhece! Torna-se absolutamente necessário ter essa informação. Já não faz sentido tomar café contigo se não me contas. Já não consigo viver sem saber isto, nãooooo.

Nota histórica dentro da nota idiota:
Esta é uma técnica famosa de tortura vietcong. Todos os prisioneiros de guerra quebraram. Todos nós quebramos.
Isto é genial porque se cria uma necessidade fortíssima numa pessoa, quando há 5 segundos não precisava de nada. Agora são precisas ameaças e marretas para se ter uma informação que há 5 segundos era absolutamente irrelevante. Basta uma pergunta.Uma simples pergunta.

Já sabias isto?

Comments

Respostas de 8 a “Já sabias isto?”
  1. Anónimo

    Maravilhoso a forma como descreves as situações que pensamos simples!

    Parabéns! Votos de sucesso!

    1. João

      Já sabes quem é o anónimo? Ah nao interessa!

      Maravilhoso, vou começar a usar esta forma de tortura!

      João

  2. Muito bem visto! De onde vem esta nossa voracidade por tudo o que seja novidade? Como dizes, é um tipo de poder que alimenta o ego. Basta isso para nos atrair como se não houvesse amanhã.

    Depois, acho muita piada a uma passagem dos Actos dos Apóstolos em que o redactor dá conta dessa fome de novidade mas noutro contexto completamente diferente do nosso: “todos os atenienses e os forasteiros que ali se fixaram não se ocupavam de outra coisa senão a de dizer ou de ouvir as últimas novidades” Actos 17,21. Engraçado, não é?!

    ABRAÇO!

    1. Touché. É uma gula de novidades imparável, e deliciosa de se assistir!

  3. Rita

    Ah, é mesmo!

  4. Diogo

    “Já sabias isto?” Isto o quê?! João, “isto” o quê?!?! ahah que bem apanhado!
    p.s. tenho uma coisa para contar, mas não posso contar ainda…

Deixe uma Resposta para Inesperado.org Cancelar resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s