Imaginemos que estamos num filme de acção qualquer. E há um assassino que mata alguém.
Depois esse assassino está em casa, liga a TV e está sempre, sempre, a dar as notícias a descrever o que se passou!
Mas porque é que nos filmes quando ligam a TV está sempre a dar o que interessa? Porque é que quando ligam não está a dar as tardes da Júlia, ou sendo nos EUA, the afternoons of Julia? Ou daqueles programas de televendas em que posso comprar uma faca que corta um sapato (preciso disso todos os dias) ou um aspirador que me aspira, literalmente, a banha da barriga?
Fico a espera do filme em que o protagonista ao ligar a TV não apareça o que interessa. Que calhe cocó.
E isto faz pensar em como nos filmes a vida parece óbvia e fácil. E queria dizer que não é. Pronto, está dito. Adeus e continuação de bom dia.
Ainda aqui?
Então vamos explorar mais: isto não se trata do rol de queixas, nem do elogio do difícil. É antes outra coisa a que voltaremos muitas vezes neste blogue: A vida não é óbvia nem fácil.
Porque nos batem à porta tantos sofrimentos: um namoro acaba, um exame chumbado, uma perna partida. Um amor não correspondido, uma critica no trabalho. Uma doença grave. Ficar desempregado. Ver alguém que gostamos muito a sofrer. Ou alguém que nos é querido deixa esta vida.
Em todas as nossas vidas estes momentos de sofrimento entram. E entram sem pedir permissão, e sem grande consideração se são convenientes ou não. E aqui entre nós, nunca convém. Nunca estamos preparados para o que a vida nos reserva. Tira-nos sempre o tapete.
Mas a questão já foi feita por tantas pessoas, em tantas épocas da história, mas mantém-se clara: A vida é o que nos acontece, ou o que nós fazemos com o que nos acontece?
Evidentemente a segunda opção tem um alcance maior. Mas dá muito muito mais trabalho. Ficarmos pelo que nos acontece é normal, compreensível. Caramba, realmente é uma bosta quando perdemos o emprego, ou morre alguém. É genuinamente doloroso. Mas será, será, que temos em nós a capacidade de nos erguermos acima disso? Não porque somos bestiais, mas simplesmente porque está em nós essa vida que não dá tréguas? Essa vida que nos chama a reconstruir os laços, a refazer amizades, a conservar memórias dos que partiram, a perdoar quem nos magoa, a aceitar o que a vida nos traz – de doloroso a glorioso.
Sim! Tem que ser. Não há outra maneira: ou assumimos tudo o que somos e vivemos, ou fugimos ao que nos foi dado. Caraças, vamos lá: deixar a dor entrar aqui dentro, deixá-la levantar as questões que doem. Permitir que ela venha e faça parte de nós. Mas se faz parte de nós, é porque o que somos, é algo muito maior que isto que nos aconteceu. Algo que se pode transcender, surpreender infinitamente. E depois, batida a batida de coração, vamos redesenhar os significados e crescer, aumentar e dar. Vamos tornar-nos mais fortes, mais bravos, mais genuínos, e com uma capacidade tão maior de ajudar quem está ao nosso lado.
É difícil? Sem dúvida. “But nobody said it was easy…”
Vamos vacilar? Sem dúvida. Mas é uma boa lembrança que não somos heróis e que precisamos de ajuda.
Sou capaz? Sem dúvida. Não porque és bestial, mas porque há uma vida maior em ti e tens tanta gente óptima à tua volta.
Vamos avançar de peito aberto à vida. Porque ela não dá tréguas.
E depois, talvez um dia, ao estarmos estendidos no sofá e ligarmos a TV, não está a dar nenhum programa idiota, mas está lá alguém dizer o que interessa: “A vida não é óbvia nem fácil. Mas vale a pena”.
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Este post é dedicado ao meu Avô João, que partiu desta vida, deixando a família e amigos cheios de saudades mas com um exemplo enorme de vida que vale a pena.
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