(nota: este post demora 4minutos a ler. Se não tiveres tempo agora, não o queimes de raspão. Vai fazer o que tens a fazer, come uma peça de fruta, e volta mais feliz quando tiveres tempo e coração).
Caro Inesperado,
Agradeço muito a carta que me enviou a semana passada.
Fiquei feliz com o que me conta acerca da infidelidade, especialmente porque tenho conseguido ter uma reputação notável e consistente desde que sou novo. Realmente a minha família sempre me educou para a excelência.
Mas a razão desta missiva, não é apenas o meu fiel agradecimento. É porque se têm passado comigo algumas mudanças bastante perturbadoras. Serei breve, porque não me desejo alongar em questões tão embaraçosas. Agradeço-lhe toda a descrição que estes assuntos merecem.
Sempre tive o estilo de vida que escolhi para mim: divertimento máximo, responsabilidade mínima. As minhas infidelidades têm sido bem sucedidas, quer a nível familiar como profissional. A minha natural falta de realização fez-me procurar noutros sítios o que a minha família e trabalho aborrecido não me ofereciam.
Fui feroz na alocação do meu espaço mental, quer em direcção, quer em proporção: muito tempo para novas experiências, pouco tempo para a minha família. Muito esforço em coisas passageiras, pouco esforço em coisas que permanecem. Muita entrega ao que gostava de fazer, pouca entrega ao que devia fazer.
E claro que foram óptimos tempos. Muitas experiências novas, e muitos amigos novos. Mas sentia um buraco dentro de mim cada vez maior. Estranhamente, dia após dia, mês após mês, apesar de me encher de experiências novas, a minha insatisfação continuava a crescer.
E aconteceu que baixei a guarda. Da enorme disciplina que tinha em fazer o que me apetecia, experimentei fazer uma vez o que realmente queria. E a sensação foi boa. Fui passear com amigos de longa data. Desse passeio multiplicaram-se as conversas e programas engraçados.
Dei por mim rodeado daqueles amigos francamente honestos, bons e comprometidos. Malta que achava aborrecida. Mas que até se sabia divertir. A minha namorada foi estranhamente paciente e respeitadora comigo.
Por estar rodeado desta gente invulgar, dei por mim a estar mais atento ao que se passava dentro de mim. Sentia uma verdade dentro do meu coração, à qual me sentia chamado a responder: ser fiel aos meus compromissos, ser genuíno no trabalho, respeitar as pessoas com quem vivo, entregar-me ao que a vida me dá.
Tudo pensamentos que semanas antes, eram precisamente… impensáveis.
Por me ter habituado a ser tão bom a dizer pequenas mentiras e a fazer o que me apetecia, agora que estava atento ao que estava dentro de mim e ao que estes amigos me diziam, era francamente bom a detectar quando queria voltar a fazer o que me dava na gana, e não o que devia.
Por isso estimado Inesperado, advirto-o para os seguintes aspectos:
1. Os amigos são companhias perigosas.
2. Não perca demasiado tempo a ouvir o que o seu coração lhe diz.
3. Anos de infidelidade trazem lições perigosíssimas, caso as oiça.
Por fim o que mais me assusta, é que a minha vida realmente mudou. Levo a sério o que sinto que devo fazer, e respeito muito quem está à minha volta. Tornei-me verdadeiro comigo e com quem me rodeia.
Apesar da minha excelente educação para a mentira, apesar de anos a praticar pequenas e grandes infidelidades, nada disso me impediu de hoje ser uma pessoa… fiel. Irónicamente, a minha infidelidade tornou-me mais fiel.
E tal como anos de infidelidades exigiram muito treino, agora começo a treinar outra coisa e a ver que fico bom. Quer ver que afinal a fidelidade também se treina? E o mais perturbador é que isso me deixa feliz…
Cordialmente,
O seu fiel leitor
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