Vai ser engraçado falar de uma coisa que sou francamente mau a fazer. Mas devo por isso deixar de falar? Acho que não, desde que me enxergue minimamente. Queria falar por isso de engomar a roupa.
“Queria imenso ter arrumado o quarto, mas depois tinha mil coisas para fazer e não consegui.”
Comecemos então à bruta: o inferno está cheio de boas intenções. Não sei se é verdade ou não porque nunca lá estive para ver, mas gosto disso. Não do facto das boas intenções estarem empilhadas no cantinho das chamas, mas antes da ideia que uma boa intenção sem acção, não vale muito.
“Ah, mas eu queria mesmo ter lavado a loiça, não tive tempo”. Oh Carlitos, vamos lá a ver: só não lavaste a loiça porque não foi uma prioridade para ti. Se isso fosse, conseguias. A sério.
É a clássica história, se namorásses com uma brasa de uma miuda loira, e ela só pudesse estar contigo às 8 da manhã num dia, não conseguias? Ah pois é, arranjávas tempo. Mas agora estar às 8 da manhã a lavar pratos… hmmm, que venha a loira antes.
“Sinto imensa vontade de ajudar os outros”
Ainda bem Maria que sentes isso tudo, mas ajudas alguém?! Não te serve de muito esse sentimento se não o concretizas nem que seja uma vez, numa simples acção, como ajudar um velhinho a atravessar a rua. (Stop! Que raio de clishé é este? Sou uma pessoa consciente e atenta, e nunca calhou estar um velhinho a precisar de ajuda para atravessar. A sério, e ando muito na cidade. Caraças pá, porque será que esse exemplo pegou tanto?) Mas ó Maria, boas intenções não bastam, we need action!!! Se sentes isso, faz alguma coisa! O truque aqui é a palavra do meio: faz!
“Para mim é importante ter a certeza que a minha intenção é boa antes de começar alguma coisa”
Muita bem. Esse discernimento do que é bom ou mau é fixe. E não arrancar com nada – desde uma boca foleira até uma viagem – se for com uma intenção egoísta. Mas podíamos até levar esta aventura mais longe dizendo que uma boa intenção simplesmente não existe. Que só sabemos se uma coisa é boa ou não pelos seus frutos. E os frutos reais implicam uma acção real. Claro que podemos argumentar que de uma boa intenção podem nascer bons pensamentos, uma saudável pré-disposição, mas gosto de ver as coisas assim: boas intenções não chegam.
Não chegava aos 81 mil que tiveram em Lisboa a ouvir o Bruce Springsteen que ele tivesse a intenção boa de “quero dar um grande concerto”. Aquilo exigiu muito trabalho, muito suor, muita correria. E tanta alegria.
Não chegava às milhares de pessoas que têm febre, que quem inventou a aspirina tivesse apenas a intenção de fazer “alguma coisa”. Envolveu muito trabalho de estudo, pesquisa, testes.
Não chegava ao mundo inteiro que tem casas iluminadas, que o Edison tivesse apenas a intenção de ” inventar uma lâmpada”. Tanto trabalho, tantas patentes, tanta acção.
As boas intenções não chegam. E não chegam especialmente para o mundo em que vivemos. Tão cheio de possibilidades e tão exigente. Ou marcamos uma diferença real, ou nos envolvemos e participamos e sujamos as mãos, ou ficamos à margem. Ficamos seguros na praia a dizer como é que aquele surfista devia estar a apanhar a onda, quando nós nunca chegámos a entrar no mar.
Chegou a altura de fazer alguma coisa. Nem que seja engomar a roupa.
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