O perigo dos conselhos

Na sala de espera para o dentista:

Oiço a Maya – guru do horóscopo num show de televisão – onde aparece com umas unhas enormes  e a dizer que o signo carneiro terá um dia favorável e que será um conquistador no campo amoroso. Depois ouvimos alguém no 706 10 60 10 ( não tentar confirmar se é mesmo este numero). “Olá dona Erminda! Que voz é essa? Vamos lá tornar essa voz mais poderosa! Diga me a sua data de nascimento… hmm muito bem… e qual o seu problema?hmmm…se o seu marido a trai?”

E aqui ela começa a botar as cartas , e diz: “Posso garantir que nesta altura o seu marido não a trai. Mas não posso garantir o mesmo no passado. ” E eis que com horror oiço um dos melhores momentos de apoio psicológico a que já assisti : “mas você sabe que ele é um brincalhão não sabe? Você sabe que ele é um conquistador… então adeus! Próxima ouvinte!”

Depois disto, chamam-me para entrar no consultório para ser sovado.

Mas as palavras da Maya ecoavam no meu interior para não mais me largarem. Como será que aconselhamos os nossos amigos? Depois de várias noites em branco, chegou a hora de fazer justiça e tirar conclusões :

 1. Sabemos ouvir os outros? Ou estamos desejosos de mostrar as opiniões que já temos? É que saber ouvir é fixe. E faz os outros sentirem-se, como dizer… escutados. E isso é bom, para eles e para nós. Para eles porque são ouvidos, e para nós porque compreendemos melhor o que realmente se está a passar. É o clássico de  ter 2 ouvidos e uma boca, e usá-los nessa proporção. Somos bom ouvintes?

2. Sabemos não saber o que aconselhar? Ou temos sempre uma opinião pronta? Tantas vezes temos alguém que depositou a confiança em nós. Um amigo que nos falou do que o preocupa, ou do que tem medo. Ou do que sonha. Às vezes é melhor dizer: “olha nem sei o que te dizer, mas conta sempre com a minha amizade”, do que despejar ideias que não colam para esconder incómodo do sofrimento. Sabemos chegar ao coração das coisas, ao interior do que magoa e conforta ou despejamos logo opiniões?

3. Somos claros ou ambíguos no que dizemos? É que podemos seguir a “abordagem Maya” ouvir uma frase e dar garantias que os maridos traíram, mas neste momento não. Como assim? As we speak, não trai? Mas há 10 minutos? Imagino as duvidas na cabeça da dona Erminda quando lhe desligaram o telefone… Ou seja, quando estamos a falar com alguém somos claros para a pessoa na leitura que fazemos da vida dele, ou começamos com ambiguidades?

4. Queremos que tenham a nossa opinião ou aceitamos uma diferente? É que perguntas induzidas tipo “sabe que ele é um brincalhão não sabe?”, conduzem à resposta que queremos, especialmente seguido de: próxima ouvinte! Queremos forçar a pessoa com quem estamos a falar a ter a nossa visão, ou aceitamos que mantenha a sua? Mesmo?

E pronto, é isto. Espero agora conseguir dormir em paz. E não esperar mais no dentista.

Comments

Respostas de 12 a “O perigo dos conselhos”
  1. Marta Figueiredo

    Muito fixe johnny!
    «Conta sempre com a minha amizade».
    Marta

    1. Grato Marta Figueiredo :)

  2. Ah! E bom concerto no Domingo!!! ;)

    1. Concerto priceless. E o enorme Bruce ensinou precisamente acerca de conselhos: o melhor de todos é com o exemplo. Incansável como o dele. No retreat baby, no surrender!

  3. Mariana

    “be careful whose advice you buy, but be patient with those who supply it. Advice is a form of nostalgia. Dispensing it is a way of fishing the past from the disposal, wiping it off, painting over the ugly parts and recycling it for more than it’s worth.” (do vídeo do sunscreen- parece que não sei citar outra coisa!).
    Os conselhos são mesmo perigosos, e por dois motivos:
    1) porque normalmente são um prolongamento das nossas experiências (têm marcas do que vivemos e do que sofremos)
    2) porque dificilmente são imparciais…
    Um bom conselho é raro de achar. E os melhores conselheiros são os que fazem perguntas, ou seja: ouvem, e vão perguntando para que a pessoa que quer um conselho vá concluindo por si. É o que eu tento fazer, não sei se com sucesso ou não!

    1. Hello Mariana,
      Mais uma pérola do sunscream! Percebo o que dizes dos conselhos, serem umbilicais e raros. Ao mesmo tempo é engraçado como a nossa experiência pode ajudar outra pessoa, porque somos feitos da mesma massa, desde que não caíamos ( nunca tinha conjugado esta forma verbal? ) na tentação de aconselhar com base exclusiva na nossa visão do mundo!
      A presto!

  4. Anónimo

    João, muitos parabéns, gostei imenso! Vamos lá ver se consigo seguir os teus conselhos!

    Continua assim

    1. Obrigado Anónimo :)
      Força a seguir os conselhos, mas cuidado com quem te aconselha…

  5. Anónimo

    João, tem piada que há uma semana também fui ao dentista e, precisamente enquanto esperava pela sessão de brocas e perfuraçoes dentais, vejo a magnifica maya na televisão (acho que o programa se chamava “o dilema da maya”). Achei triste o facto de haver tanta gente com problemas sérios e que recorre a esses meios para tentar resolvê-los. Quanto à dona Maya, espero que um dia venha a perceber que aquilo que faz não é brincadeira, e que jogar as cartas e dar esperança as pessoas sao duas coisas que nao podem misturar-se.
    Um abraço

    1. Anónimo

      Miguel bandeira (esqueci-me há bocado)

    2. Na linha do Miguel, perante um fenómeno como o da Maya, pergunto-me: mas esta pessoa acredita no que está a fazer? ou está a gozar com o próximo? A responsabilidade de uma figura pública é grande demais para lhe ser permitido produzir lixo público sem mais…

      Quanto a conselhos e conversas: acredito muito no que dizes. O diálogo é talvez a melhor universidade de vida que temos! Não nos podemos dar ao luxo de não gastar tempo sentados à conversa com outros!

    3. Miguel!
      É um consolo para mim saber que mais pessoas passam por brocas e broncas. Na cadeira do dentista e na sala de espera…
      Agree!

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